quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A Avaliação Como “Mediadora” do Fracasso Escolar e da Exclusão Social

Teofilândia Rodrigues de Lima[1]

RESUMO: A avaliação da aprendizagem, aspecto fundamental do sistema de ensino em qualquer instituição educativa, deveria promover a inclusão do educando à sociedade, no entanto, ela é a principal responsável pelo fracasso e evasão escolar e se transforma no elemento principal da exclusão social. O que acontece é que a escola continua no modelo que atendia a classe dominante e, o “sonho” da inclusão social através da educação, se transformou no “pesadelo” da exclusão.

ABSTRACT: The assessment of learning, fundamental aspect of the education system in any educational institution, it should promote the inclusion of educating the society, however, it is the main responsible for the failure and dropout and becomes the main factor of social exclusion. What happens is that the school remains the model that met the ruling class, and the "dream" of social inclusion through education, became the "nightmare" of exclusion.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação, Fracasso Escolar, Exclusão Social.

A falta de articulação por parte do professor entre a teoria, ou seja, o seu discurso e a sua prática, gera uma das piores ações do ser humano, a exclusão. Muitas vezes o professor nem se dar conta desse processo no momento da avaliação, o que ele quer é se “livrar” do problema e nem percebe que a repetência causa a evasão, que é sinônimo de exclusão.

Para Gentili (2003), de certa forma a normalização da exclusão começa a acontecer quando descobrimos que, no final das contas, em boa parte do mundo, há mais excluídos do que incluídos. A exclusão parece se transformar em algo natural em uma sociedade fragmentada e que os excluídos devem se acostumar à exclusão. Assim, a exclusão desaparece no silêncio dos que a sofrem e no dos que a ignoram... ou a temem.

Muitas vezes é visível no semblante do professor o alívio quando o “aluno tal” não retorna à escola no ano seguinte. O que aconteceu com ele? Quem está preocupado com isso? O que importa é a “paz” que promete reinar no ambiente escolar, sem a presença de seres que “atrapalham” o processo educativo.

[1] Pedagoga, graduada pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI – Irecê – BA.

É triste e desanimador ouvir de um “educador” um discurso como este. Como poderemos pensar em uma educação/avaliação que emancipa os indivíduos? A avaliação se transforma no elemento principal da exclusão. Todo o discurso sobre a inclusão através da educação será meramente uma utopia?

De acordo com Romão (2003), muitos sustentam a tese de que a qualidade da escola fundamental caiu em razão de sua massificação a partir de 1997 com a implantação do FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Os dados realmente comprovam uma enorme expansão das matrículas, a ponto de, praticamente, o Brasil ter universalizado o acesso a esse grau de ensino. Ao mesmo tempo, a maioria dos pesquisadores, administradores e educadores, afirma que a produtividade do sistema apresentou, concomitante e progressivamente, os mais baixos índices de conclusão com sucesso.

A escola que temos hoje, mais acessível às camadas populares, deveria ser uma outra escola. O que acontece é que a escola continua no modelo que atendia a classe dominante e, o “sonho” da inclusão social através da educação, se transformou no “pesadelo” da exclusão. Nem a escola, nem os profissionais que participam do processo educativo, estavam preparados para essa mudança, ou seja, esse público. O resultado desse processo é a reprovação e a evasão em massa, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

O modelo de escola e de profissionais que está aí é para atender os “bons alunos”, ou seja, aqueles que obedecem, isso fica claro na prática dos profissionais que fazem a escola. Quando o aluno não se enquadra no “padrão” estabelecido, ficam perdidos sem saberem o que fazer. Esse processo é complexo, pois, a formação dos profissionais, principalmente do professor não lhe dá subsídio para conviver com a diversidade, o resultado disso é catastrófico e o “sonho” de transformar a sociedade através da educação se transforma em uma utopia.

Não se trata de preconizar o bom aluno, porque este estereótipo não é adequado à necessidade de transformação das sociedades. Em certo sentido, todos querem bons alunos, dedicados, estudiosos, esforçados, mas podemos querer apenas enquadrá-los, porque, para transformar a sociedade, é mister desenquadrá-la. O aluno que apenas sabe obedecer não tem personalidade. (DEMO, 2004, p. 168)

Mesmo que a sala de aula seja constituída pelo movimento, pela surpresa, pela turbulência, pela desordem, pela diferença, as práticas escolares e os processos ensino/aprendizagem estão estruturados para conduzir à homogeneidade, à linearidade, considerados essenciais para uma boa relação pedagógica. Isso fica implícito no discurso do professor e explícito na sua prática avaliativa, quando é dado um único modelo de avaliação para todos, sem respeitar a diversidade.

Segundo Demo (2004), cuidar da aprendizagem do aluno, é olhar cada um com atenção, saber de sua história, família, sobrevivência, representações sociais, amizades, problemas. Por vezes, há que acentuar a igualdade de condições de todos, outras vezes será o caso não tratar de modo igual a desiguais: o aluno que vai mal precisa de maior cuidado. Sendo a educação muito ligada à habilidade de construir oportunidades de vida, não favorece apenas iniciativas criativas, mas impositivas, já que é enorme a tentação de construir oportunidades às expensas das oportunidades dos outros.

A avaliação escolar – classificatória - tem se transformado ao longo dos tempos num forte instrumento de fracasso e de exclusão de uma grande massa, que vive hoje às margens da sociedade.

Faz parte da ética educativa compreender criticamente os processos de exclusão social das grandes maiorias, com o objetivo de que cada aluno possa postar-se frente a eles, seja na condição de participante da elite, seja como participante das classes populares. É fundamental combater privilégios, não ser objeto dos privilégios dos outros, não aceitar ser massa de manobra, organizar-se politicamente para poder intervir com capacidade renovada, zelar pelo bem comum. (DEMO, 2004, p. 169)

O fracasso escolar tem como fator principal a ação pedagógica do educador. A avaliação é o aspecto principal deste fenômeno, principalmente quando o professor não assume a responsabilidade desse fracasso, colocando a culpa em vários aspectos, principalmente na falta de interesse do aluno, ou seja, o aluno se transforma no agente principal do seu próprio fracasso.

Na concepção de Hoffmann (2003), o professor não assume absolutamente a responsabilidade em relação ao fracasso do aluno. Em primeiro lugar, porque representaria assumir sua incompetência na organização do trabalho pedagógico, uma apresentação inadequada de estímulos à aprendizagem. Em segundo lugar, porque aquilo que faz geralmente se traduz em resultados positivos para alguns alunos, no entanto, se a ação produz modificação de comportamento em alguns alunos, então o problema está nos alunos que não aprendem e não na ação do professor. Sem ultrapassar a visão comportamentalista de conhecimento, nenhuma outra hipótese é levantada pelo professor sobre as dificuldades que os alunos apresentam, senão a sua desatenção e desinteresse. Em terceiro lugar, porque, coerente com tal visão de conhecimento, o avaliar reduz-se, para ele, a observação, o registro de resultados alcançados pelos alunos ao final de um período. Tal visão não absorve uma perspectiva reflexiva e mediadora da avaliação.

Para Raphael (1998), no nível prático, há de se considerar três participantes da “encenação” em torno da avaliação: alunos, professores e pais. Os principais envolvidos, os alunos, são muito mais interessados no resultado classificatório do que na aquisição de conhecimentos, em face da situação que lhe é apresentada. A maioria concorda com sua culpa no fracasso, o que implica a própria aceitação desse fracasso. Admitem isso sem discutir condutas ou culpas dos professores no resultado, em grande parte. E, diz ainda que:

Começa aí o processo para estigmatizar o aluno que não consegue ser melhor, na visão dos professores e pais. A expectativa da escola com relação a esse aluno é que ele fracasse. O aluno, ao incorporar o estigma, acaba atendendo à expectativa, reforçando o estima. Esse processo se estende aos pais, que passam a aceitar os filhos como incompetentes ou culpados, de alguma forma, pelo fracasso. (RAPHAEL, 1998, p. 137)

Educação, direito de todos e dever do Estado. A partir da segunda metade dos anos 90 (noventa) com a nova LDB, Lei 9394/96 e a implantação do FUNDEF, o Estado vem querendo “garantir” esse direito às classes populares. Ações como a realizada na campanha “Toda criança na Escola” a partir de 1997, principalmente pelos órgãos municipais de ensino incentivados pelos órgãos federais, conseguiram colocar mais de 90% das crianças em idade escolar na Escola. Trazer as crianças para a escola parece não ter sido difícil, tarefa gigante parece ser a de garantir a permanência dessas crianças nesse espaço.

O que a escola pode fazer por crianças pobres, famintas, desnutridas, que sofrem abusos de todos os tipos e vivem dia-a-dias em contato com todo tipo de violência? Crianças essas que vêem de uma realidade que assusta os educadores, pois, todo comportamento considerado fora do padrão é considerado como indisciplina, característica esta ligada às crianças pobres da periferia? A questão de ligar a indisciplina à pobreza está presente no discurso dos professores, isso os deixam assustados e muitos falam até em mudar de profissão. Portanto a escola parece ter, com a universalização do ensino, se transformado em um espaço de desconforto para os educadores. Portanto, a pergunta é: o que a escola pode fazer pela classe popular?

Essa é uma questão complexa. A escola pode não fazer nada – é o caso do modelo atual de escola que não dá nenhuma garantia de ascendência para os menos favorecidos, que neste caso é a maioria da população brasileira – ou pode contribuir muito para que aconteça realmente uma revolução transformadora na sociedade, partindo das bases populares.

Argumentos como baixos salários, excesso de aulas para ministrar e poder sobreviver, salas de aula superlotadas, ausência de recursos didáticos mais sofisticados, entre outros, distanciam o educador de sua função social, deixando fora da discussão pontos realmente fundamentais, fazendo desaparecer da fala assuntos pertinentes à melhoria da qualidade de ensino, como um planejamento de qualidade e uma avaliação inclusiva. Optar por um modelo de avaliação exige a definição do tipo de mundo que se quer ter. Pode perpetuar o status-quo ou pode-se transformar a sociedade, sendo que por trás do tipo de avaliação está o tipo de homem que se pretende formar: submisso ou autônomo, que apenas de submete a pensamentos ou que pensa por si mesmo.

A mudança precisa acontecer na ideologia política do educador, no entendimento da sua função social e na consciência da responsabilidade que acompanha essa função.A educação sempre foi política, o que precisamos é ter clareza do projeto político que ela defende, politizando-a. (...) é preciso que saibamos que modelos sociais iremos transmitir, que conteúdos estamos veiculando, que classe estamos defendendo, de que ponto de vista estamos pensando a educação: do ponto de vista do povo ou do sistema? Como disse nosso colega Carlos Rodrigues Brandão, “não há meio termo, aquela (educação) do ponto de vista do sistema é contra o povo”. A única maneira de conciliar um trabalho nessa linha em face do atual sistema é começar a criar espaços de uma prática pedagógica que possa ser assumida pelas classes populares e se colocar a serviço disso. (GADOTTI, 2001, p. 148)

As crianças da classe popular enfrentam enormes obstáculos no cotidiano escolar. O seu comportamento é classificado como falta de educação, seus valores são opostos ao que é proposto pela escola, sua cultura e seus conhecimentos não são respeitados, ou seja, sua realidade deve ser esquecida durante o tempo que permanecer na escola, em seu lugar, uma outra, sob o modelo das classes dominantes deve ser construída. No dia-a-dia da escola a criança vai se reconhecendo como a que ignora o conhecimento que ali está e, portanto, vendo justificada a subalternidade a que é submetida. É aí que se inicia o processo de alienação e aculturação. Quem não se adaptar é excluído pelo processo de avaliação classificatória, o que infelizmente é a maioria das crianças da classe popular.

Na concepção de Raphael (1998), no nível conceitual, o que se percebe da parte dos professores é a falta de distinção entre a simples verificação e a avaliação. Isso tem como conseqüências imediatas à avaliação de desempenho, o compromisso com a nota e o julgamento descontextualizado. A avaliação do desempenho supõe o domínio do saber escolar baseado na cultura das classes dominantes. Como essa cultura é desvinculada do mundo da criança menos favorecida e de sua cultura de origem, a avaliação da maioria desses alunos está fadada ao fracasso. Isso não elimina o compromisso da escola no sentido de introduzir o aluno nessa cultura, mas partindo de algo significativo para ele, estabelecendo a ligação com o desconhecido.

Ela diz ainda que a avaliação tem por base o que é significativo para o professor, e não para o aluno. Assim, a significação da prova ou qualquer outro instrumento, para o aluno, desloca-se para a nota, que se transforma na obrigação a ser cumprida, na meta a ser alcançada. O julgamento não pode abstrair o ser humano como aluno em determinado momento, como se outros aspectos da pessoa pudessem ser ignorados. O aspecto psicológico e social dos alunos no contexto de uma organização escolar supõe uma complexidade que não pode ser percebida de forma atomizada, mas num contexto de totalidade.

Segundo Esteban (2001), assumindo o fracasso escolar como um desafio, é importante avançar no sentido de discutir os mecanismos escolares que o produzem e assinalar movimentos que constituem possíveis alternativas para a superação. Um aspecto relevante é a atuação docente no processo de avaliação, pois, são os professores e professoras que a realizam, sendo o resultado deste processo determinante do sucesso ou fracasso escolar dos alunos e alunas. A avaliação tem estreita relação com a interpretação que o/a professor/a faz das respostas dadas, especialmente significativas no caso das crianças que chegam à escola portando estruturas de compreensão diferentes daquelas aceitas pela norma estabelecida.

REFERÊNCIAS:
DEMO, Pedro. Sociologia da Educação: sociedade e suas oportunidades. Brasília: Plano Editora, 2004.

ESTEBAN, Maria Tereza. O que sabe quem erra? Reflexões sobre avaliação e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

GADOTTI, Moacir. Concepção Dialética da Educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 2001.

GENTILI, Pablo. Educar na Esperança em Tempos de desencanto. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2003.

RAPHAEL, Hélia Sônia. Avaliação Escolar: em busca de compreensão. São Paulo: Brasiliense, 1998.

ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação Dialógica: desafios e perspectivas. 5 ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.
[1] Pedagoga, graduada pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI – Irecê – BA.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Avaliação da Aprendizagem o Discurso e a Prática do Professor

Teofilândia Rodrigues de Lima[1]
RESUMO: O presente artigo trata da dicotomia existente no discurso e na prática do professor. Mesmo com os cursos de formação continuada, onde os professores têm tido acesso a conhecimentos sobre os novos pensamentos acerca da avaliação, como a avaliação mediadora, diagnóstica, emancipatória, percebe-se que o reflexo na prática é ainda quase nulo. Observa-se certa mudança de discurso nos educadores, mas não na sua prática.
ABSTRACT: This article deals with the dichotomy in the discourse and practice of teacher. Even with the continued training courses, where teachers have had access to knowledge of the new thinking about the evaluation as a mediator evaluation, diagnostic, emancipatory, realize that the reflection in practice is still virtually nil. There is a change of teachers in speech, but not in its practice.
Palavras-chaves: discurso, prática, professor, avaliação.
O tema avaliação configura-se gradativamente mais problemático na educação à medida que se amplia a contradição entre o discurso e a prática dos educadores. Embora os professores ainda relacionem estreitamente a ação avaliativa a uma prática de provas finais e atribuição de graus classificatórios, criticam eles mesmos o significado desta prática nos debates em torno do assunto. (HOFFMANN, 2001, p.28)

A avaliação da aprendizagem dos educandos sempre foi um entrave para a educação e ainda é o maior problema enfrentado pelas escolas. O interesse dos pesquisadores e a literatura acerca desse tema cresceram muito no Brasil nos últimos anos, embora o reflexo ainda não chegou efetivamente no espaço principal de interesse dessa discussão, que é a escola e o professor. A idéia arraigada de avaliação classificatória é observada na pratica dos educadores. Mesmo com os cursos de formação continuada, onde os professores têm tido acesso a conhecimentos sobre os novos pensamentos sobre avaliação, como a avaliação mediadora, diagnóstica, emancipatória, percebe-se que o reflexo na prática é ainda quase nulo. Observa-se certa mudança de discurso nos educadores, mas não na sua prática.

[1] Pedagoga, graduada pela UNEB - Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI – Irecê-BA.

Por um lado, é preciso concordar com os céticos, pois a concepção classificatória e de controle da avaliação educacional está de tal forma consolidada que, ao falar-se num outro possível, corre-se o risco da utopia. Essa prática instalou-se nesse século como um poderoso instrumento de poder em todos os níveis da educação, fortalecida por processos tecnicistas, estatísticas educacionais, medidas político-orçamentárias, de tal forma que é grande o descrédito de que um dia venha a ser exercida em benefício de uma escola democrática. (HOFFMANN, 1998, p. 33).
A exigência de melhoria dos índices de aprovação tem provocado sérios problemas na escola. Essa exigência é permeada por interesses políticos diversos, o principal deles é a otimização do uso do recurso do FUNDEF, que atende somente as crianças de 07 (sete) a 14 (quatorze) anos. Portanto, alunos acima de 15 (quinze) anos matriculados no Ensino Fundamental é prejuízo para o Município. A avaliação é o foco, pois a melhoria desses índices perpassa por ela. Os educadores ficam encurralados entre a sua concepção classificatória e ter que aprovar alunos, os quais eles consideram fora do “padrão” de aprendizagem estabelecida por eles ou pela escola, para cada série. Muitas vezes acabam agindo com irresponsabilidade e conivência com o que é estabelecido pelos órgãos que controlam os índices da educação, prejudicando, assim, a vida escolar futura dos educandos.
Um olhar construtivo em avaliação articula-se ao desejo político do educador, que traduz no compromisso de aprofundamento teórico, de uma atualização permanente e contextualizada e de uma consciência humanizadora sobre a realidade social. Penso como Freire que” “a gente tem que lutar para tornar possível o que ainda não é possível. Isto faz parte da tarefa histórica de redesenhar e construir o mundo. (HOFFMANN, 1998, p. 34)
O professor precisa repensar efetivamente a sua prática em relação à avaliação, torná-la coerente com o seu discurso. Pensar na escola como um espaço de inclusão e permanência, e não, um espaço onde a exclusão parece ser a meta principal, provocada pela concepção de avaliação da aprendizagem classificatória. Os alunos são tratados como se estivessem em uma competição. Quem for melhor fica, os piores estão fora, ferindo assim o direito universal que todos tem à educação básica.
Não há sentido, na educação obrigatória, selecionar e classificar o aluno como se fora um concurso ou vestibular. Não há por que promover a competição entre os alunos, o direito de todos é prosseguir sem retrocessos. O aluno só deve competir com ele mesmo na busca do seu conhecimento. (BLOOM, 1983 APUD FERREIRA, 2002, p. 36)
A escola e os professores têm ainda que enfrentar a concepção tradicional dos pais dos alunos, cujo pensamento é de que uma educação de qualidade tem que ser competitiva e classificatória. Eles acreditam que a escola tem que preparar o aluno para enfrentar os desafios da vida fora desse espaço, como o vestibular, concursos e outras exigências de uma sociedade capitalista, cuja concepção é de que, quem vence é o “melhor” ou que a oportunidade está para todos, basta se preparar. Essa preparação, claro, é uma responsabilidade da escola. Dificultando assim, o processo de mudança na teoria e na prática do professor. Para reverter esse quadro, é necessário que a mudança aconteça primeiro na concepção do professor a respeito da avaliação, para que ele possa ter argumentos seguros para convencer os pais da necessidade de um novo pensamento sobre a avaliação da aprendizagem, sobre a escola e a sociedade. Esse processo perpassa por um embasamento teórico.
A melhoria da qualidade do ensino em todas as suas dimensões, tem constituído um desafio constante para todos que vêm se preocupando com esta busca; mas ela tem se limitado apenas a mudanças de métodos, técnicas e seqüências curriculares. Não podemos descartar a possibilidade de que métodos, técnicas e propostas curriculares possam ter influências positivas na melhoria da qualidade. Mas uma mudança significativa só se concretizará através de uma mudança efetiva de postura, e de filosofia pedagógica. (RABELO, 1998, p. 47)
Há educadores que se preocupam em primeiro lugar, principalmente no momento da avaliação de final de ano, com o colega que vai dar continuidade aos estudos de seus alunos no ano seguinte, o que ele vai achar da sua turma. Esse é o peso principal no momento da decisão de quem é aprovado ou reprovado. Todo o percurso do aluno durante o ano é anulado por um medo que ele também provoca em seus colegas, o efeito muitas vezes é um alto índice de reprovação, principalmente nas series iniciais. A responsabilidade com a vida escolar dos educando parece não ser a preocupação principal dos educadores que agem dessa forma. Não estão preocupados se os alunos vão permanecer ou não na escola. O que importa é a sua “consciência tranqüila” de ter escapado das criticas dos colegas.
Segundo Luckesi (2003), basta de usarmos os exames e as conseqüentes reprovações, que se manifestam como fracasso escolar, como álibi para a má qualidade do ensino. A verdadeira pratica da avaliação da aprendizagem opõe-se a tudo isso, devido assentar-se sobre a busca da melhor qualidade dos resultados, o que implica em melhor qualidade do ensino, que, por sua vez exige investimentos em muitas áreas da educação, desde recursos materiais, didáticos e pessoais.
A disparidade entre o discurso e a pratica do professor, em avaliação é um processo que merece atenção por parte dos estudiosos. O desafio do momento está em mudar essa realidade. Quando isso acontecer, poderemos talvez vislumbrar uma luz no fundo do poço, para uma mudança realmente efetiva da pratica da avaliação da aprendizagem na escola.
Nos diz a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, que a avaliação deve ser contínua e priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem, sendo que os aspectos qualitativos devem prevalecer sobre os quantitativos. Porém, para que a avaliação sirva à aprendizagem é essencial que os professores conheçam cada um de seus alunos e suas necessidades, pois somente assim, poderá pensar em diferentes alternativas para que todos os alunos alcancem os objetivos. Nesta perspectiva, a avaliação parte de duas premissas básicas: confiança na possibilidade dos educandos construírem suas próprias verdades e a valorização de seus interesses e manifestações.
O que diz a Lei 9.394/96 está presente no discurso da maioria dos professores, porém a sua prática revela o contrário. Conversando com muitos professores, está presente em seus discursos o respeito às individualidades dos alunos, a necessidade de acompanhar diariamente o desenvolvimento de cada um, dar prioridade à avaliação qualitativa sobre a quantitativa. Quando se observa na prática, o aluno é avaliado pela suas notas nos testes e provas. Todo o percurso dos alunos durante os bimestres é colocado de lado, o que conta é a nota final. Essa dicotomia entre o discurso e a prática se revela num dos graves problemas acerca da avaliação, principalmente nas séries iniciais, pois, a maioria dos alunos ainda está em fase de construção do sentido da leitura e da escrita e são tratados como se já estivessem alfabetizados e prontos para o modelo que é imposto para o Ensino Fundamental, ou seja, a divisão por disciplina, onde os conteúdos são fragmentados e exigidos uma nota para cada disciplina.
Segundo Machado (2000), para avaliar é preciso ir além da medida, recorrendo a indicadores mais complexos e a indícios de competência, tendo em vista que não se avalia por avaliar, mas para fundamentar uma decisão. O principal agente desta mudança e desta reconstrução é o educador, suas concepções e sua pratica educativa. Temos claro que nenhuma prática é neutra e que esta sempre serve a um ou outro modelo político de desenvolvimento econômico. O alicerce escolar encontra-se numa teia de relações entre os educadores, educandos e suas famílias e em se tratando de avaliação, esta é uma relação tensa. Portanto, a reconstrução da prática avaliativa supõe professores com formação crítica, capazes de ampliar seu horizonte de compreensão e o reconhecimento da necessidade de uma formação constante, bem como, disposição para ser sujeito da mudança e construir algo diferente.
Como analisar a prática avaliativa que acontece em nossas escolas? Por que o discurso do professor é inovador e crítico, enquanto sua prática é conservadora e tradicional? O que dá origem a esta contradição? Velhos mitos estão arraigados na prática avaliativa que desde sempre esteve a serviço do autoritarismo dos professores.
Hoffmann (2001) acredita que a contradição entre o discurso e a prática de alguns educadores e principalmente a ação classificatória e autoritária exercida pela maioria, encontra explicação na concepção de avaliação do educador, reflexo de sua história como aluno e professor. Existe a vontade de fazer diferente, porém não se sabe como fazer... Assim, o primeiro passo seria tomar consciência destas influências para que não se venha a reproduzir o que se contesta no discurso: o autoritarismo e a arbitrariedade.
Ao longo dos tempos, teoria e prática aparecem em lados opostos, como se fossem dissociados, e o “estado” desta relação é objeto de críticas e controvérsias onde acentua-se exatamente a ausência da mesma.
Retomando a discutida relação teoria/prática, assumimos que ela não pode ser vista como uma correlação mecânica; tratamos de compreender a relação que há entre estes dois mundos que compõem o humano. A construção do pedagógico é feita por homens que sonham, sentem, projetam, mas vivem num mundo histórico, de relações concretas, onde a teoria de constrói. Logo, privilegiar o ensino teórico, baseando a formação de professores somente na literatura, sem a ponte com o cotidiano, significa colocar a prática a um plano sem relevância para a compreensão do que significa o ato docente. (NOGARO, 2002, p.276)
Assim sendo, percebemos que a contradição existente entre o que o professor faz e o que acredita tem suas raízes também na formação dos mesmos. Quem educa o educador? Tendo em vista que o ser docente se constrói nas relações com o mundo, com os outros e com as contingências que o levam a optar pelo magistério, é preciso que se busque um debate acerca desta contradição. Percebe-se essa discrepância até no curso de Pedagogia, pois muitos dos nossos educadores defendem um tipo de teoria enquanto age de acordo com outra. Estabelece-se uma relação dicotômica entre a teoria e a prática, pois os educadores não conseguem possibilitar a coexistência dos dois termos num mesmo processo.
A avaliação sempre foi uma atividade de controle, que visava selecionar. Neste sentido o prazer de aprender desaparece, pois a aprendizagem se resume em notas e provas. O processo, ou o ato de realizar uma avaliação vai além disto, estando inserido dentro de um ensino integral, onde o professor acompanha o processo desenvolvido pelo educando, auxiliando-o em seu percurso escolar, fundamentando-se no dialogo, reajustando continuamente o processo de ensino de forma a que todos consigam alcançar com sucesso os objetivos definidos, revelando suas potencialidades.
A avaliação é utilizada pela maioria dos professores para motivar os alunos, impor determinados comportamentos, enfim, é um mecanismo de controle que desencadeia uma relação de poder. Isso tudo é fruto da própria formação dos educadores, eles vêem de uma escola/sociedade conservadora e tradicional e, por mais que ampliem os seus conhecimentos sobre o assunto e consigam até, no discurso, mudarem o pensamento, a velha prática parece estar impregnada e vai além do pensamento, parece ser um ato mecânico e involuntário.
Luckesi (2005) afirma que o medo e o fetiche são mecanismos imprescindíveis numa sociedade que não opera na transparência, mas sim nos subterfúgios, e a avaliação em nossas escolas está muito mais articulada com a reprovação do que com a aprovação, e daí vem a sua contribuição para a seletividade social. A nota é que determina tudo e é em função dela que se vive a prática escolar.
É desconfortável para qualquer educador o rótulo de que a avaliação serve como instrumento de coação, de controle, ainda mais quando se tem em mente uma conotação negativa desta ação de controlar. Trazer este assunto para a discussão é considerado por eles uma forma de agressão ao professor, profissional este, que ainda não sabe realmente qual é a sua identidade, no discurso ele pode até ser coerente com as mudanças, mas na prática, a baixa auto-estima em relação a si próprio é um fator que prejudica o avanço das discussões sobre a avaliação e as mudanças que são urgentes e necessárias para que possamos pensar em uma educação de qualidade.
Os processo escolares de avaliação constituem instrumento de controle no âmbito do exercício da autoridade do educador. Uma autoridade enraizada tanto no conhecimento quanto na natureza da função desempenhada. (MACHADO, 2000, p.89).
A dicotomia entre a teoria e a prática da avaliação nas escolas, digo avaliação no sentido de acompanhamento da aprendizagem dos alunos, gera conseqüências graves e sem retorno. A falta de discernimento de quem é a culpa no fracasso da aprendizagem dos alunos traz para o ambiente escolar o descrédito da sociedade, que há muito tempo deixou de acreditar na capacidade da escola pública para ensinar os seus filhos. O maior exemplo disso é que a grande maioria dos professores que trabalham nas escolas públicas não coloca os seus filhos para estudar na escola onde trabalha. Se os profissionais que fazem a escola pública não acreditam na mesma, qual o futuro da escola para os pobres? Como a educação pode transformar a sociedade?
É preciso um trabalho de autoformação do professor, para compreender de modo crítico as relações entre a prática social e a educação. O trabalho escolar formativo fica comprometido, se não leva à assimilação crítica das contradições sociais. (...) o professor precisa, portanto, de uma teoria que explicite a direção pretendida para a tarefa educativa de humanização do homem, extraída de uma concepção de educação enquanto pratica social transformadora. Essa teoria se alimenta da prática, isto é, das exigências concretas da situação pedagógica. (LIBÂNEO, 2003, p. 78)
Apesar da formação continuada implantada pelos órgãos que promovem a educação nas esferas federais, estaduais e municipais, e que a maioria dos profissionais de educação tem “acesso” a conhecimentos atuais sobre educação, inclusive sobre avaliação da aprendizagem, embora na maioria das vezes esses conhecimentos chegam de forma fragmentada, e do discurso do professor sofrer mudanças, a sua prática continua a mesma, ou seja, o momento crucial da avaliação é ainda o resultado dos testes e provas, portanto, a nota que o aluno conseguiu é tudo o que o professor analisa como aprendizagem durante o percurso do aluno, seja no bimestre ou no final do ano.
REFERÊNCIAS:
FERREIRA, Lucinete. Retratos da Avaliação: conflitos, desvirtuamentos e caminhos para a superação. Porto Alegre: Mediação, 2002.
HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as retas do caminho. Porto Alegre: Mediação: 2001.
_________________. Pontos e Contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. Porto Alegre: Mediação, 1998.
_________________. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2003.
_________________. O Jogo do Contrário em Avaliação. Porto Alegre: Mediação, 2005.LIBÂNEO, José Carlos. A Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 2003.LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 2005.
_________________. Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando conceitos e recriando a prática. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos, 2003.
MACHADO, Nilson José. Educação: Projetos e Valores. São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
NOGARO, Arnaldo. Teoria e saberes docentes: a formação de professores na Escola Normal e no Curso de Pedagogia. Erechim: EDIFAPES, 2002.
RABELO, Edmar Henrique. Avaliação: novos tempos, novas práticas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.