quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A Avaliação Como “Mediadora” do Fracasso Escolar e da Exclusão Social

Teofilândia Rodrigues de Lima[1]

RESUMO: A avaliação da aprendizagem, aspecto fundamental do sistema de ensino em qualquer instituição educativa, deveria promover a inclusão do educando à sociedade, no entanto, ela é a principal responsável pelo fracasso e evasão escolar e se transforma no elemento principal da exclusão social. O que acontece é que a escola continua no modelo que atendia a classe dominante e, o “sonho” da inclusão social através da educação, se transformou no “pesadelo” da exclusão.

ABSTRACT: The assessment of learning, fundamental aspect of the education system in any educational institution, it should promote the inclusion of educating the society, however, it is the main responsible for the failure and dropout and becomes the main factor of social exclusion. What happens is that the school remains the model that met the ruling class, and the "dream" of social inclusion through education, became the "nightmare" of exclusion.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação, Fracasso Escolar, Exclusão Social.

A falta de articulação por parte do professor entre a teoria, ou seja, o seu discurso e a sua prática, gera uma das piores ações do ser humano, a exclusão. Muitas vezes o professor nem se dar conta desse processo no momento da avaliação, o que ele quer é se “livrar” do problema e nem percebe que a repetência causa a evasão, que é sinônimo de exclusão.

Para Gentili (2003), de certa forma a normalização da exclusão começa a acontecer quando descobrimos que, no final das contas, em boa parte do mundo, há mais excluídos do que incluídos. A exclusão parece se transformar em algo natural em uma sociedade fragmentada e que os excluídos devem se acostumar à exclusão. Assim, a exclusão desaparece no silêncio dos que a sofrem e no dos que a ignoram... ou a temem.

Muitas vezes é visível no semblante do professor o alívio quando o “aluno tal” não retorna à escola no ano seguinte. O que aconteceu com ele? Quem está preocupado com isso? O que importa é a “paz” que promete reinar no ambiente escolar, sem a presença de seres que “atrapalham” o processo educativo.

[1] Pedagoga, graduada pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI – Irecê – BA.

É triste e desanimador ouvir de um “educador” um discurso como este. Como poderemos pensar em uma educação/avaliação que emancipa os indivíduos? A avaliação se transforma no elemento principal da exclusão. Todo o discurso sobre a inclusão através da educação será meramente uma utopia?

De acordo com Romão (2003), muitos sustentam a tese de que a qualidade da escola fundamental caiu em razão de sua massificação a partir de 1997 com a implantação do FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Os dados realmente comprovam uma enorme expansão das matrículas, a ponto de, praticamente, o Brasil ter universalizado o acesso a esse grau de ensino. Ao mesmo tempo, a maioria dos pesquisadores, administradores e educadores, afirma que a produtividade do sistema apresentou, concomitante e progressivamente, os mais baixos índices de conclusão com sucesso.

A escola que temos hoje, mais acessível às camadas populares, deveria ser uma outra escola. O que acontece é que a escola continua no modelo que atendia a classe dominante e, o “sonho” da inclusão social através da educação, se transformou no “pesadelo” da exclusão. Nem a escola, nem os profissionais que participam do processo educativo, estavam preparados para essa mudança, ou seja, esse público. O resultado desse processo é a reprovação e a evasão em massa, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

O modelo de escola e de profissionais que está aí é para atender os “bons alunos”, ou seja, aqueles que obedecem, isso fica claro na prática dos profissionais que fazem a escola. Quando o aluno não se enquadra no “padrão” estabelecido, ficam perdidos sem saberem o que fazer. Esse processo é complexo, pois, a formação dos profissionais, principalmente do professor não lhe dá subsídio para conviver com a diversidade, o resultado disso é catastrófico e o “sonho” de transformar a sociedade através da educação se transforma em uma utopia.

Não se trata de preconizar o bom aluno, porque este estereótipo não é adequado à necessidade de transformação das sociedades. Em certo sentido, todos querem bons alunos, dedicados, estudiosos, esforçados, mas podemos querer apenas enquadrá-los, porque, para transformar a sociedade, é mister desenquadrá-la. O aluno que apenas sabe obedecer não tem personalidade. (DEMO, 2004, p. 168)

Mesmo que a sala de aula seja constituída pelo movimento, pela surpresa, pela turbulência, pela desordem, pela diferença, as práticas escolares e os processos ensino/aprendizagem estão estruturados para conduzir à homogeneidade, à linearidade, considerados essenciais para uma boa relação pedagógica. Isso fica implícito no discurso do professor e explícito na sua prática avaliativa, quando é dado um único modelo de avaliação para todos, sem respeitar a diversidade.

Segundo Demo (2004), cuidar da aprendizagem do aluno, é olhar cada um com atenção, saber de sua história, família, sobrevivência, representações sociais, amizades, problemas. Por vezes, há que acentuar a igualdade de condições de todos, outras vezes será o caso não tratar de modo igual a desiguais: o aluno que vai mal precisa de maior cuidado. Sendo a educação muito ligada à habilidade de construir oportunidades de vida, não favorece apenas iniciativas criativas, mas impositivas, já que é enorme a tentação de construir oportunidades às expensas das oportunidades dos outros.

A avaliação escolar – classificatória - tem se transformado ao longo dos tempos num forte instrumento de fracasso e de exclusão de uma grande massa, que vive hoje às margens da sociedade.

Faz parte da ética educativa compreender criticamente os processos de exclusão social das grandes maiorias, com o objetivo de que cada aluno possa postar-se frente a eles, seja na condição de participante da elite, seja como participante das classes populares. É fundamental combater privilégios, não ser objeto dos privilégios dos outros, não aceitar ser massa de manobra, organizar-se politicamente para poder intervir com capacidade renovada, zelar pelo bem comum. (DEMO, 2004, p. 169)

O fracasso escolar tem como fator principal a ação pedagógica do educador. A avaliação é o aspecto principal deste fenômeno, principalmente quando o professor não assume a responsabilidade desse fracasso, colocando a culpa em vários aspectos, principalmente na falta de interesse do aluno, ou seja, o aluno se transforma no agente principal do seu próprio fracasso.

Na concepção de Hoffmann (2003), o professor não assume absolutamente a responsabilidade em relação ao fracasso do aluno. Em primeiro lugar, porque representaria assumir sua incompetência na organização do trabalho pedagógico, uma apresentação inadequada de estímulos à aprendizagem. Em segundo lugar, porque aquilo que faz geralmente se traduz em resultados positivos para alguns alunos, no entanto, se a ação produz modificação de comportamento em alguns alunos, então o problema está nos alunos que não aprendem e não na ação do professor. Sem ultrapassar a visão comportamentalista de conhecimento, nenhuma outra hipótese é levantada pelo professor sobre as dificuldades que os alunos apresentam, senão a sua desatenção e desinteresse. Em terceiro lugar, porque, coerente com tal visão de conhecimento, o avaliar reduz-se, para ele, a observação, o registro de resultados alcançados pelos alunos ao final de um período. Tal visão não absorve uma perspectiva reflexiva e mediadora da avaliação.

Para Raphael (1998), no nível prático, há de se considerar três participantes da “encenação” em torno da avaliação: alunos, professores e pais. Os principais envolvidos, os alunos, são muito mais interessados no resultado classificatório do que na aquisição de conhecimentos, em face da situação que lhe é apresentada. A maioria concorda com sua culpa no fracasso, o que implica a própria aceitação desse fracasso. Admitem isso sem discutir condutas ou culpas dos professores no resultado, em grande parte. E, diz ainda que:

Começa aí o processo para estigmatizar o aluno que não consegue ser melhor, na visão dos professores e pais. A expectativa da escola com relação a esse aluno é que ele fracasse. O aluno, ao incorporar o estigma, acaba atendendo à expectativa, reforçando o estima. Esse processo se estende aos pais, que passam a aceitar os filhos como incompetentes ou culpados, de alguma forma, pelo fracasso. (RAPHAEL, 1998, p. 137)

Educação, direito de todos e dever do Estado. A partir da segunda metade dos anos 90 (noventa) com a nova LDB, Lei 9394/96 e a implantação do FUNDEF, o Estado vem querendo “garantir” esse direito às classes populares. Ações como a realizada na campanha “Toda criança na Escola” a partir de 1997, principalmente pelos órgãos municipais de ensino incentivados pelos órgãos federais, conseguiram colocar mais de 90% das crianças em idade escolar na Escola. Trazer as crianças para a escola parece não ter sido difícil, tarefa gigante parece ser a de garantir a permanência dessas crianças nesse espaço.

O que a escola pode fazer por crianças pobres, famintas, desnutridas, que sofrem abusos de todos os tipos e vivem dia-a-dias em contato com todo tipo de violência? Crianças essas que vêem de uma realidade que assusta os educadores, pois, todo comportamento considerado fora do padrão é considerado como indisciplina, característica esta ligada às crianças pobres da periferia? A questão de ligar a indisciplina à pobreza está presente no discurso dos professores, isso os deixam assustados e muitos falam até em mudar de profissão. Portanto a escola parece ter, com a universalização do ensino, se transformado em um espaço de desconforto para os educadores. Portanto, a pergunta é: o que a escola pode fazer pela classe popular?

Essa é uma questão complexa. A escola pode não fazer nada – é o caso do modelo atual de escola que não dá nenhuma garantia de ascendência para os menos favorecidos, que neste caso é a maioria da população brasileira – ou pode contribuir muito para que aconteça realmente uma revolução transformadora na sociedade, partindo das bases populares.

Argumentos como baixos salários, excesso de aulas para ministrar e poder sobreviver, salas de aula superlotadas, ausência de recursos didáticos mais sofisticados, entre outros, distanciam o educador de sua função social, deixando fora da discussão pontos realmente fundamentais, fazendo desaparecer da fala assuntos pertinentes à melhoria da qualidade de ensino, como um planejamento de qualidade e uma avaliação inclusiva. Optar por um modelo de avaliação exige a definição do tipo de mundo que se quer ter. Pode perpetuar o status-quo ou pode-se transformar a sociedade, sendo que por trás do tipo de avaliação está o tipo de homem que se pretende formar: submisso ou autônomo, que apenas de submete a pensamentos ou que pensa por si mesmo.

A mudança precisa acontecer na ideologia política do educador, no entendimento da sua função social e na consciência da responsabilidade que acompanha essa função.A educação sempre foi política, o que precisamos é ter clareza do projeto político que ela defende, politizando-a. (...) é preciso que saibamos que modelos sociais iremos transmitir, que conteúdos estamos veiculando, que classe estamos defendendo, de que ponto de vista estamos pensando a educação: do ponto de vista do povo ou do sistema? Como disse nosso colega Carlos Rodrigues Brandão, “não há meio termo, aquela (educação) do ponto de vista do sistema é contra o povo”. A única maneira de conciliar um trabalho nessa linha em face do atual sistema é começar a criar espaços de uma prática pedagógica que possa ser assumida pelas classes populares e se colocar a serviço disso. (GADOTTI, 2001, p. 148)

As crianças da classe popular enfrentam enormes obstáculos no cotidiano escolar. O seu comportamento é classificado como falta de educação, seus valores são opostos ao que é proposto pela escola, sua cultura e seus conhecimentos não são respeitados, ou seja, sua realidade deve ser esquecida durante o tempo que permanecer na escola, em seu lugar, uma outra, sob o modelo das classes dominantes deve ser construída. No dia-a-dia da escola a criança vai se reconhecendo como a que ignora o conhecimento que ali está e, portanto, vendo justificada a subalternidade a que é submetida. É aí que se inicia o processo de alienação e aculturação. Quem não se adaptar é excluído pelo processo de avaliação classificatória, o que infelizmente é a maioria das crianças da classe popular.

Na concepção de Raphael (1998), no nível conceitual, o que se percebe da parte dos professores é a falta de distinção entre a simples verificação e a avaliação. Isso tem como conseqüências imediatas à avaliação de desempenho, o compromisso com a nota e o julgamento descontextualizado. A avaliação do desempenho supõe o domínio do saber escolar baseado na cultura das classes dominantes. Como essa cultura é desvinculada do mundo da criança menos favorecida e de sua cultura de origem, a avaliação da maioria desses alunos está fadada ao fracasso. Isso não elimina o compromisso da escola no sentido de introduzir o aluno nessa cultura, mas partindo de algo significativo para ele, estabelecendo a ligação com o desconhecido.

Ela diz ainda que a avaliação tem por base o que é significativo para o professor, e não para o aluno. Assim, a significação da prova ou qualquer outro instrumento, para o aluno, desloca-se para a nota, que se transforma na obrigação a ser cumprida, na meta a ser alcançada. O julgamento não pode abstrair o ser humano como aluno em determinado momento, como se outros aspectos da pessoa pudessem ser ignorados. O aspecto psicológico e social dos alunos no contexto de uma organização escolar supõe uma complexidade que não pode ser percebida de forma atomizada, mas num contexto de totalidade.

Segundo Esteban (2001), assumindo o fracasso escolar como um desafio, é importante avançar no sentido de discutir os mecanismos escolares que o produzem e assinalar movimentos que constituem possíveis alternativas para a superação. Um aspecto relevante é a atuação docente no processo de avaliação, pois, são os professores e professoras que a realizam, sendo o resultado deste processo determinante do sucesso ou fracasso escolar dos alunos e alunas. A avaliação tem estreita relação com a interpretação que o/a professor/a faz das respostas dadas, especialmente significativas no caso das crianças que chegam à escola portando estruturas de compreensão diferentes daquelas aceitas pela norma estabelecida.

REFERÊNCIAS:
DEMO, Pedro. Sociologia da Educação: sociedade e suas oportunidades. Brasília: Plano Editora, 2004.

ESTEBAN, Maria Tereza. O que sabe quem erra? Reflexões sobre avaliação e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

GADOTTI, Moacir. Concepção Dialética da Educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 2001.

GENTILI, Pablo. Educar na Esperança em Tempos de desencanto. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2003.

RAPHAEL, Hélia Sônia. Avaliação Escolar: em busca de compreensão. São Paulo: Brasiliense, 1998.

ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação Dialógica: desafios e perspectivas. 5 ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.
[1] Pedagoga, graduada pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI – Irecê – BA.


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